we are more – act for culture in Europe

«um saber desincarnado é um saber inutilizável.»

«um saber desincarnado é um saber inutilizável.»

Boas Vindas aos Visitantes!

Este blogue resulta da migração de outro, com o mesmo nome, que criei em 2005 para suporte, temporário, ao trabalho docente.
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Passados estes 3 anos, chegou o momento de o "doutamente" se assumir: blogue exclusivamente pessoal - de maria de fátima c. toscano - , guiado pela "sociologia crítica", pela "sociologia clínica" e pelas abordagens qualitativas em ciências sociais.
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Todas as afirmações que não estejam referenciadas expressam, pois, a minha opinião e perspectiva epistemo-teórico-metodológica. Grata pela visita,
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mfct, 15 Nov/2008
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(por decisão da autora, neste blog adopta-se a antiga ortografia).

Doutamente recomenda Clínica de Saúde Dentária - Sorrisos Perfeitos

Doutamente recomenda Clínica de Saúde Dentária - Sorrisos  Perfeitos
porque para Fazer tem de se Saber: e eles Sabem

pobreza zero - manifesto, 1 Julho / 2005

www.pobrezazero.org
info@pobrezazero.org
MANIFESTO
Mais de 900 Organizações Internacionais em estreita coordenação com organizações e movimentos sociais de base em mais de 100 países promovem a maior mobilização
de sempre na história da luta contra a pobreza no mundo. A sociedade portuguesa não pode ficar indiferente.
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Junta-te a nós e faz ouvir a tua voz!
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Unindo as nossas vozes manifestamos:
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QUE a persistência da pobreza e da desigualdade no mundo de hoje não tem justificação. Apesar dos esforços realizados durante décadas, a desigualdade entre
ricos e pobres continua a aumentar. Hoje, mais de 3.000 milhões de pessoas carecem de uma vida digna por causa da pobreza. Fome, SIDA, analfabetismo, discriminação
de mulheres e meninas, destruição da natureza, acesso desigual à tecnologia,deslocação maciça de pessoas devido aos conflitos, migrações provocadas pela falta
de equidade na distribuição da riqueza a nível internacional… São as diferentes facetas do mesmo problema: a situação de injustiça que afecta a maioria da população mundial.
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QUE o desenvolvimento sustentável no planeta está seriamente ameaçado porque um quinto da população mundial consome irresponsavelmente, com a consequente sobreexploração de recursos naturais.
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QUE as razões da desigualdade e a pobreza se encontram na forma como organizamos a nossa actividade política e económica. O comércio internacional e a especulação financeira que privilegia as economias mais poderosas, uma dívida externa asfixiante e injusta para muitos países empobrecidos, bem como um sistema de ajuda internacional escasso e descoordenado tornam a actual situação insustentável.
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QUE para conseguir a eficácia das políticas de Desenvolvimento Institucional, o Desenvolvimento Humano Sustentável e Bens Públicos Globais é imprescindível
implementar uma governação global democrática e participativa.
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QUE o crescimento económico espectacular dos últimos anos não contribuiu para garantir os direitos humanos nem para melhorar as condições de vida em todas as
regiões do mundo, nem para as pessoas,independentemente da sua condição,género, etnia ou cultura.
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QUE lutar contra a pobreza, nas suas diferentes dimensões, significa actuar contra a exclusão das pessoas, a favor das garantias dos seus direitos económicos, sociais e culturais que se traduzem em protecção, trabalho digno, rendimento, saúde e
educação, poder, voz, meios de subsistência sustentáveis, em condições de igualdade. É um compromisso irrenunciável e inadiável: toda a sociedade no seu conjunto é responsável pela sua concretização.
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Unindo as nossas vozes queremos

- MAIS AJUDA pública para o desenvolvimento, dando prioridade aos sectores sociais básicos, até alcançar o compromisso dos 0,7% do PIB.
- MELHOR AJUDA, desligada de interesses comerciais, orientada para os países mais pobres e coerente com os Objectivos do Milénio.
- MAIS COERÊNCIA nas diferentes políticas dos nossos governos para que todas elas contribuam para a erradicação da pobreza.
- PERDOAR A DÍVIDA: os países ricos, o Banco Mundial e o FMI devem perdoar a 100% a dívida dos países mais pobres.
- DÍVIDA POR DESENVOLVIMENTO: investir os recursos criados pelo perdão da dívida dos países pobres para alcançar os Objectivos do Milénio.
- MUDAR AS NORMAS DO COMÉRCIO internacional que privilegiam os países ricos e os seus negócios e impedem os governos dos países pobres de decidir
como lutar contra a pobreza e proteger o meio ambiente.
- ELIMINAR OS SUBSÍDIOS que permitem exportar os produtos dos países ricos abaixo do preço de custo de produção, prejudicando o sustento das comunidades rurais nos países pobres.
- PROTEGER OS SERVIÇOS PÚBLICOS com o fim de assegurar os direitos à alimentação e o acesso à água potável e a medicamentos essenciais.
- FAVORECER O ACESSO À TECNOLOGIA por parte dos países menos desenvolvidos, de acordo com as suas necessidades, para que possam usufruir dos seus benefícios.
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Lisboa, 1 de Julho de 2005

vivemos em universos - a ciência ajuda a compreender

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

HISTÓRIA ORAL: UMA SÍNTESE REFLEXIVA, emilio sarde neto

Em Usos e Abusos da História Oral Philippe Joutard faz um Balanço sistemático de diversas pesquisas em História Oral, procurando mostrar as progressivas mudanças da prática da História Oral em toda sua complexidade.
Desde os tempos mais remotos grupos utilizaram o método Oral para passagem de suas tradições culturais, mas com o advento da cientificidade a partir do século XVII, o testemunho oral vai perdendo gradativamente relevância nos meios científicos, e perde sua importância primordial, a veracidade.
Em países de antiga tradição escrita a re-introdução da fonte oral, na metade do século XX, como instrumento de pesquisa não é bem recebido pelos historiadores. A marginalização, o confronto entre o Oral e o Escrito, a originalidade de ambos os textos divide os historiadores. Duas são as correntes que desde o início dividem a História Oral, a primeira é vinculada as ciências políticas voltadas para as elites e os notáveis, a segunda encontra-se nas fronteiras da antropologia voltando seus auspícios para os “individuos despossuidos de história”. Disciplinas como a sociologia e lingüística também utilizam métodos de oralidade em suas pesquisas.
Na primeira metade do século XX, mais especificamente nos anos 50 surge nos Estados Unidos o primeiro grupo de historiadores que utilizam o método oral. Tinham como objetivo reunir materiais para os biógrafos vindouros, dando suporte para as ciências políticas e conseqüentemente abraçando ideais notáveis. Trabalhos estes pobres de reflexão metodológica e análise crítica.
Na Itália, próximos de partidos de esquerda, sociólogos e antropólogos são os precursores da Segunda forma de História Oral. Surgida em meados da década de 60, utilizaram o método oral de pesquisa na reconstituição da cultura popular.
Agora não se trata mais de simples complementação de materiais escritos e sim do outro lado da moeda, de uma outra história que da voz aos “povos sem história”, os vencidos, os operários, negros, índios, mulheres os marginais. Está à margem da academia se pretende militante.(Phillip Joutarde.Apud. Usos e Abusos da História Oral, 1996: 45.).
É praticada por intelectuais de todas as matizes, ou simplesmente lideres comunitários.
Prega o não conformismo sistemático, e radicalmente conclui-se que é uma história alternativa, em relação não só a história acadêmica, mas a todas as construções historiográficas baseadas no escrito.
O XIV Congresso Internacional de Ciências Históricas de São Francisco realizado em 1975, contou com uma mesa redonda intitulada “A História Oral como uma nova metodologia para pesquisa histórica” muito impressionou os congressistas dando origem ao ponto de partida do que pode ser considerado como o Terceiro ciclo da História Oral.
Começa então a manifestação da tendência historiográfica da História Oral. Na Itália incorpora-se em projetos de exposição fonográfica, que impulsiona verdadeiros manifestos sobre a história oral como meio de estudar as classes populares. Foram criadas revistas como a Fonte Orali, que durou até 1987, reuniu antropólogos e historiadores interessados nas tradições populares.
Na França, foram instituídos projetos coletivos como a criação da Associação Francesa de Arquivos Sonoros, e em 1980 o primeiro encontro francês de pesquisadores orais.
Na América Latina manifestam-se as duas tendências, a criação da Fundação Getúlio Vargas. Em Costa Rica em 1976 é organizado o primeiro concurso nacional de autobiografias de camponeses patrocinada pela Escola de Planejamento e Promoção Social da Universidade Nacional. Mais tarde tenta-se fazer uma reconstituição histórica pré-colombiana, fazendo a população ameríndia narrar sua própria história. Bolívia, Nicarágua e Equador, pesquisas são realizadas sobre o mundo camponês. Na Argentina os projetos orais multiplicam-se com o restabelecimento da democracia em 1983.
Um pouco mais tarde a Espanha recupera seu atraso com muitos projetos colóquios e seminários que se espalham por todo o território espanhol.
No Japão em 1986, simpósios e debates historiográficos destacam a necessidade da História Oral em particular para colher depoimentos sobre a Segunda Guerra Mundial.
Uma verdadeira comunidade de história oral caracteriza os anos de 1980, pela sua infinidade de colóquios internacionais, época em que cresceu a necessidade de promover programas de história oral para enriquecer museus, arquivos e universidades.
Países como a Itália e França tornaram a pesquisa oral um meio pedagógico eficaz para o desenvolvimento das aulas de história motivação do corpo discente.
O terceiro ciclo de história oral foi um período de reflexões metodológicas e epistemológicas, que sufoca a idéia ignorante de que a entrevista pudesse atingir a realidade, fazendo com que inclusive houvesse uma maior profissionalização no que diz respeito aos projetos de história oral e sua profissionalização. Ressaltando que a difusão do gravador muitas vezes resulta em operações mal preparadas comprometedoras de resultados da história oral, pois fornece argumentos aos seus detratores.
A década de 1990 marca o advento do que pode chamar-se de quarta geração, que estariam envoltos em um mundo de imagens som e oralidade influenciada nos Estados Unidos pelos movimentos críticos pós-modernistas, década de 1960, traduzidos na valorização da subjetividade, o que seria para muitos, conseqüência ou mesmo finalidade da história oral. Os gravadores vão sendo gradativamente substituídos pela câmara de vídeo, que permite uma maior complexidade dos fatos históricos agora presenciados.
A história de vida como uma completa e coerente narrativa de vida não existe na natureza, ela é um produto substancial da ciência social. A entrevista subentende, realça a autoridade e a autociência do narrador, podendo levantar questões sobre aspectos da experiência do relator o respeito dos quais ele nunca fez menção ou pensou seriamente.
O narrador tende a lutar pela maior dicção possível, haverá tentativas de reparo à conversa, correções repetições incrementadas de acabamento entre muitas outras tentativas de chegar a um melhor resultado do trabalho final.
A tarefa do historiador “oral” é escrever de tal modo que os leitores certifiquem-se das origens orais do texto que estão lendo.
O pesquisador de campo não está no campo para falar mas para ouvir e nunca expressar idéias próprias complicadas, que turvassem os relatos dos locutores. A ficção de não interferência transforma o diálogo em dois monólogos: os informantes fornecem um monólogo de fatos brutos enquanto os historiadores e antropólogos supririam um monólogo de idéias sofisticadas que o informante nunca ouvira a respeito.
Quanto menos os historiadores revelam sobre sua identidade e pensamentos, mais se torna possível de os informantes se inclinarem em testemunhos amplos e seguros, e se apegarem às mais superficiais camadas de sua consciência e os aspectos superficiais e mais públicos de sua cultura.(Portelli. Apud. Projeto História 22, 2001: 22.).
Um entrevistador com habilidade pode induzir o narrador a abrir e revelar camadas menos facilmente acessíveis de conhecimento pessoal crença e experiência. No trabalho acadêmico o historiador se manifesta através das fontes, repetindo as suas palavras para marcar uma situação, e usando sua textualidade artificial para ampliar a autoridade do discurso histórico.
Uma história de vida em profundidade uma coleção de entrevistas um ensaio interpretativo em período histórico, todos são história oral, mas não são a mesma coisa, elas assinalam a existência de muitos gêneros diferentes com muitas estratégias retóricas diversas. A um jogo de mistura onde existe uma mistura de autobiografias, psicanálise, historiografia, história social, literatura constituindo-se em gênero novo.
A maneira como as vozes do narrador são incluídas no livro do historiador também depende se o efeito que o livro busca é de factualidade material, ou se o valor estético de uma história boa inventada ou não é tomada como sinal de subjetividade cultural ou individual e se o historiador pretende convencer o leitor de algumas revelações estéticas ou prazeres experimentados ao ouvir história oral.
Não é necessário o depoimento oral para saber um fato cronológico geral, porém aprende-se muito se ouvirmos o depoimento como representação política ritual, significado de uma experiência histórica, baseada na materialização de uma duplicação metafórica.
O entendimento de duplicidade metafórica depende da maneira como é ouvida e a forma de ouvi-la e interpreta-la é que indicará sua representação na escrita. O modo que levará os leitores ao entendimento textual dependera largamente da decisão do historiador em transcrevê-lo, respectivamente, como prosa linear, verso, epígrafe. A escolha dos gêneros na complexidade oral é na transcrição um sinal das responsabilidades dos historiadores.
O aumento considerável das curiosidades do historiador fez com que a aceitação da história oral pela história universitária progredisse consideravelmente nos últimos vinte e quatro anos. Apesar dos defeitos distorções e os esquecimentos que são atribuídos à memória não se devendo esquecer que a memória é também constitutiva da identidade pessoal e coletiva, tema caro a etnologia, mas que interessa igualmente aos historiadores orais.
É nítida a projeção do historiador nas pesquisas históricas, fato este que o historiador oral percebe com muito mais sensibilidade, pré supõe-se que a qualidade da entrevista depende também do envolvimento do entrevistador, e este obtém, em muitos casos melhores resultados quando levam em conta suas visões particulares.
A banalização da história oral está longe para acontecer, a multiplicação dos acervos fonográficos nos arquivos e museus, as várias reflexões metodológicas ligadas às disciplinas afins. Tal método é imprescindível para o dialogo com os diversos projetos que se encontram em impasses e buscam na fonte oral um meio para resolvê-lo, arquivistas e museólogos interessados em completar suas documentações, pedagogos, jornalistas, diversas instituições territoriais ou grupos em busca de identidades. E o enfrentamento das situações históricas extremas que acarretam profundas modificações traumáticas da memória.
Para muitos profissionais da história, a história oral substituirá a escrita e a racionalidade, mas esquece-se que a oralidade é a gênese da escrita. As fontes orais e escritas possuem em comum características autônomas e funções especificas que somente ambas separadamente podem preencher. Requerem instrumentos interpretativos diferentes e específicos, tornando estas fontes meros suportes para fontes tradicionais escritas.
A transcrição transforma fonte auditiva em visuais, fatalmente modificando as interpretações. Eis uma razão para desmerecer os novos e mais fechados métodos de transcrição “a expequitativa da transcrição substituir o teipe para propósitos científicos é equivalente a fazer críticas de arte em reprodução ou crítica literária em traduções. A mais literal tradução é dificilmente a melhor, e uma tradução sempre implica certa quantidade de invenção. O mesmo pode ser verdade para a transcrição de fontes orais.” ( Portelli.Apud.Projeto História 14, 1997: 34.).
Várias são as teorias de história oral, que de fato são teorias de história social como um todo. Os tons político do discurso popular carregam implícitos significados e conotações sociais irreproduzíveis na escrita. Para tornar o texto legível ou entendível, acrescentam-se pontuações e regras gramaticais que raramente coincide com o ritmo seguido pelo sujeito falante, terminando assim por confinar o discurso de regras não necessariamente seguidas por ele. O ritmo narrativo é modificado quando em relação à matéria em discursão, perceptível somente se ouve, não se lê. Pois as mudanças são normas do discurso enquanto que a regularidade são as normas da escrita. Tais modificações revelam as emoções do narrador sua participação na história e a forma no qual foi afetado pela história.“eles podem ser pobres em vocabulário, mas sempre mais ricos em variações de matizes, volume e entonação que os oradores da classe média, os quais aprendem a imitar no discurso a monotonia da escrita.” ( Portelli.Apud. Projeto História 14, 1997:39.).
As várias formas de manifestação das narrativas materializadas nos provérbios, formas estereótipos são características meditórias do grau na coletividade em que o indivíduo expositor está inserido, em síntese, a intrusão da memória coletiva.
Em relação aos eventos e significados, importa ressaltar que o que diferencia a história oral, é que a mesma nos conta menos sobre eventos que significados não implicando na validade factual da narrativa oral. A subjetividade do expositor é o mais precioso elemento que as fontes orais tem sobre o historiador. Fontes orais contam-nos não apenas o que o povo fez, mas seus anseios, o que acreditavam estar fazendo ou que fizeram.
Fontes orais podem não adicionar muito ao que sabemos, mas contam-nos bastante sobre seus custos psicológicos.
Não há falsas fontes orais, pois a importância do testemunho oral pode situar não em sua aderência ao fato, mas de sua preferência em seu afastamento dele como um desejo de emergir, simbolismo e imaginação.(Projeto História 14. Apud. Portelli, 1997: 43).
Corriqueiramente, documentos escritos são somente a transmissão sem controle de fontes orais não identificados. A transcrição ou transcriação para o documento escrito é sempre result ado de processos que não tem credibilidade cientifica, e estão freqüentemente carregados com tendências de classe. Mas a oralidade e a escrita no decorrer dos séculos não existiram separadamente, e se muitas fontes escritas são baseadas na oralidade, a oralidade moderna, por si está saturada de escrita.
A utilidade das fontes orais para o historiador, não encontra-se somente em preservar o passado, mas em exaltar as mudanças forjadas pela memória. Tal exaltação revela assim o esforço dos narradores em buscar sentido no passado e dar forma as suas vidas e colocar a entrevista e a narração em seu contexto histórico.
Ressalta Portelli, que as fontes orais não são objetivas. Os documentos de história oral são resultantes de um relacionamento onde o entrevistador e os entrevistados são envolvidos mesmo se não harmoniosamente. O conteúdo da fonte escrita é independente das necessidades e hipóteses do pesquisador, é um texto estável que não pode ser apenas interpretado. O conteúdo das fontes orais, por outro lado depende largamente dos entrevistadores põem em termos das questões, diálogos e relações pessoais.
O resultado final do trabalho é produto de ambos pesquisador e narrador. O trabalho histórico que se utiliza de fontes orais é infindável dada a natureza das fontes; o trabalho histórico que exclui fontes orais é incompleto.
As fontes orais não são suficientes mais necessárias para as histórias das classes não hegemônicas. Tais classes não possuem peso significativo para as classes dominantes, pois através dos tempos detêm o controle sobre a escrita, e deixaram registros muito mais abundantes.
O controle do discurso oral permanece firmemente nas mãos do historiador, pois o mesmo seleciona as pessoas que serão entrevistadas, que molda o testemunho colocando as questões e reagindo às respostas, que da a forma e o contexto final ao testemunho, em síntese, são os responsáveis pelo totalidade do discurso. Mas devendo agir com imparcialidade.
Jean-Noël Pelen, em Projeto História 22, retoma a noção de etnotexto no seu aspecto mais pertinente, desprezando a abordagem tradicional dos folcloristas que consideravam o material folclórico algo acabado e produzido, praticamente externo a qualquer contexto de produção e significação; e abordagem totalizadora dos etnólogos que tendem a não mais considerar o material nele próprio, em sua autonomia discursiva apresentando-o como uma espécie de texto obscuro sem linearidade narrativa pertinente, e se resta algo relativo ao sentido, só pode ser apreendido por meio de uma decifração, que vai dos contos aos ritos e as crenças entre outros. Sua noção baseia-se em escutar e recuperar de forma literal para a literatura oral o sentido que os seus próprios ouvintes e transmissores lhe atribuem.
A literatura oral mostra além da universalidade do fato literário o aspecto diversamente performático de seus materiais, considerados quanto à sua capacidade de adaptação de diversidade de culturas e épocas, bem como à diversidade de elaboração de seus modos de transmissão.
São cinco as orientações fundamentais da lógica própria do discurso e suas funções: o primeiro está ligado ao inicio da educação do indivíduo no mundo sócio-cultural, canções, contos... O segundo relaciona-se a memorização do saber concreto material ou moral, o clima os trabalhos a moral social... O terceiro define as principais regras que a comunidade deve observar para sobreviver enquanto sociedade humana, diferente dos outros animais. A quarta define as características espaciais sócio-ideológicas que dão fundamentos à comunidade distinta, não somente em relação aos animais, mas em relação às outras comunidades humanas. E em ultimo, a definição dos limites entre o mundo natural e sobrenatural, o aqui e o além, (narrativas fantásticas, mitos e lendas).
Pelen, referindo-se ao contexto discursivo determinado de obras da literatura oral observa que praticamente todas as produções literárias são complementares umas das outras. A multiplicidade das combinações possíveis dos textos somente se realiza em função da tendência geral do discurso que o texto vem operar. Não há contradição textual, pois não é a contradição que se almeja, mas a coesão. A literatura oral é a lei, a memória do que foi e deve ser. Ela enuncia e confirma a ordem estabelecida qual ela é o reflexo.
A literatura oral emerge com mais força, quando para se enunciar ela utiliza gêneros, tipos de argumentação diferentes que abrangem todos os domínios possíveis da vida cotidiana, apoiando-se na diversidade dos componentes da comunidade, pois cada gênero só ganharia sentido e força dentro de uma relação permanente com os demais.
Os vários discursos referenciais da constituição da comunidade, intimamente ligados uns aos outros em suas criações e histórias objetivas se expressam cada qual no presente, de modo especifico, especificidade obtida graças ao suporte lingüístico utilizado, dos tempos, lugares, modos e agentes de transmissão dos registros empregados.
A literatura oral, é por definição, processo de restituição mais ou menos difícil, mais ou menos fiel ao modelo de referencia preexistente, a partir do qual é preciso reproduzir, mas também produzir. Cada versão é ao mesmo tempo, reprodução e criação.
A memória literária engloba o instante que perdura. Assim colocando-se como de um ponto de vista exterior, não há acontecimento porque há tradição, mas que existe tradição para que não exista acontecimento. Todo questionamento pode estar revestido por uma produção literária, todo acontecimento, fator de risco para a ordem cultural das coisas, pode estar coberto por uma referencia literária, que imediatamente o integra a uma memória, ao já visto ao já sabido, ao já dito.A literatura oral, memória aberta e abrangente, absorvente e cautelosa com qualquer forma de explosão do novo, que colocaria em risco o presente, a eternidade do instante renovado pelo ontem.(Françoise Zonabende, 1980. projeto História 22. Apud. Pelen, 2001:67.).
A produção de uma versão é ser o descendente, para um dia tornar-se o ascendente, a fim de que a comunidade e, principalmente o texto de referencia memorial que é a sua garantia, bem como a literatura oral se perpetue.
A literatura oral não vai de encontro a história. Se o fato é afastado, é para poder assimilá-lo melhor, e conservar apenas o que ela deseja conservar, o resto da história está em outro lugar, não entra no quadro da literatura oral, pois essa ultima só se apodera do essencial, do que ela sente fazer parte da essência da comunidade.
Dentro da história é que se encontra a literatura oral, ela pode ser objeto de estudo de um historiador.
O discurso que uma determinada comunidade tem de sua literatura oral refere-se a sua história global, ou seja, a história da representação que ela tem de si mesma, dentro da história, uma vez que o papel da literatura oral no sentido literal do texto, é o de reproduzi-la, ou de representá-la.
A tradição oral do passado ou do presente, memória ativa e modelada filtrada dentro do discurso, da mesma memória que se tem dela para falar melhor de si mesma, para melhor servir ou sentimento vivido da história passada e presente.
Etnotexto, é o discurso que uma comunidade tem de si mesma, verdadeira trama de sentido no qual a comunidade se espelha, se reproduz, se codifica e se decifra, se desenrola e, principalmente, se garante e se legitima.(projeto História 22. Pelen, 2001:69.).
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BIBLIOGRAFIA
Usos e Abusos da História Oral. Organizadoras Marieta de Morais Ferreira. Janaina Amado. Fundação Getúlio Vargas.1996. Cultura e Representação. Projeto História-14. EDUC.1997.História e Oralidade. Projeto História 22. EDUC. 2001.
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Emílio Sarde Neto - Historiador
emiliosarde@gm-net.com.br
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(pesquisado em 5 Junho /2005 - clicando no título acede-se ao post; 1.ª edição na primeira versão do blogue "doutamente", por mt, a 5 Junho/2005)
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